domingo, 9 de agosto de 2009


Angústia


Ele: vem me salvar
me leva pro cafofo

Ela: não posso

Ele: então fica em paz
Mulher Balão

Ele: mulher balão encontrada presa no fio
disse que estava tentando levantar o poste
em depoimento ao delegado matosinho na 39ª
o que realmente está te prendendo aí?

Ela: raiz

sábado, 8 de agosto de 2009

terça-feira, 30 de junho de 2009

O urso e a serpente

Era uma serpente de escamas brilhantes,
olhos rápidos, língua lânguida e deslizar sinuoso,
há tempos adormecida ao pé de uma frondosa árvore.

Passava sol,

Passava vento,

Cobria-se de folhas,

Ornava-se de flores

E nada nem ninguém a despertava.


Num dia de vento e chuva antecedendo a primavera, caçava pelas redondezas um grande urso negro, pelagem farta, dentes afiados, um caçador audaz.

Em sedutora caçada, o urso avistou a serpente e parou.

Perdeu-se ao contemplá-la.

Tomada de um sono profundo, a serpente contorcia-se suavemente enquanto mudava de cor.

Do laranja ao verde ao vermelho e amarelo fogo,
Coloriam-se os desejos daquela serpente e o desejo lhe corria pelo corpo em forma de veneno.

O passeio do veneno em seu colorido corpo atraíra o olhar e os instintos do audacioso caçador.

Sabia o urso que serpentes são perigosas
Mesmo assim, perdido de encantamento o urso despercebido solta um rugido despertando-a.

Olhar lânguido, língua rápida,
corpo em fogo e fogo ardente, escamas flamejantes e veneno vertendo entre os dentes.

O bailado da serpente contorcendo e eriçando-se enfurecida, tomara os sentidos do velho urso imóvel.

O urso não se via como uma ameaça e rugia na tentativa inválida de trazer á serpente, um pouco de calma.

A serpente louca,
de sentidos acordados e atordoados pelo grave som do predador se enrolava e se desenrolava com tamanha habilidade que desnorteava o velho urso enlevado.


Como se estivesse sido jogada em brasas a serpente contorceu-se por longo tempo

E o urso a admirá-la.

Ela bateu-se contra pêlos, patas, pele, carne e veias.

Quando exausta da luta solitária, a serpente mirou os olhos do temido caçador

Uma gota meio quente, meio morna escorreu aquietando seu veneno.

Deslizando sinuosa sedutora e quase fraca, a serpente se enrolou aos pés do grande urso negro.

E com a língua ligeira sentiu seu calor
E foi-se aquietando

Dormente repousa descansa alivia o veneno que agora lhe passeia suave pelo corpo colorindo

O urso extasiado com a atuação afasta-se lentamente procurando não rugir de susto ou nada.

Cansado do combate entre caça e caçador

O urso adormece

E aos seus pés adormece enrolada a serpente.

A doce e bela Maria


A caçada de borboletas


Personagens: Maria e Pedrinho

Local: nos espaços vagos entre as cadeiras coloridas de vermelho, verde, branco e marrom, que separadas são simplesmente cadeiras de plástico, umas de melhor outras de pior qualidade, juntas formam a numerosa platéia do circo onde Maria e Pedrinho moram.

Época: atual, mais precisamente numa tarde escaldante de sexta feira, de um dezembro descompensado.

Depois de testarem diversas brincadeiras pelo espaço imenso do circo
Depois de terem explorado as sombras, os caminhos, os toldos, os traillers, e a praça de alimentação...
Maria e Pedrinho não pareciam se incomodar com o calor
E sem mais idéias para brincarem fora do circo
Resolvem adentrar a lona.



Olhar para o céu estando debaixo da lona é como se estivesse dentro de um doce
Amarelo com vermelho
Apetitoso
Delicioso
De lambuzar os beiços,

Mas só parece
Porque todo mundo sabe que não se come a lona de circo
A não ser com os olhos.

Maria e Pedrinho estavam famintos de uma brincadeira nova, mas não podia ser qualquer brincadeirinha de menina, ou de menino, tinha que ser uma aventura...

Mal entraram debaixo da lona, ainda sob o tapete vermelho que recebe o público na sua entrada, os olhos atentos e espertos do Pedrinho avistaram uma linda e grande e preta borboleta que sobrevoava as cadeiras...
Sentava numa
Sentava noutra
E dava rasantes que enlouqueciam Pedrinho.

Ele como um relâmpago saiu
Voando atrás da borboleta
E de várias maneiras tentou pegá-la
Maria corria junto
E dizia:
- O Pedrinho meu amigo está caçando borboletas.

As borboletas são freqüentadoras assíduas do circo,
Ao despertar,
Abrem-se as janelas dos traillers
E fazem a festa ainda com resquícios do orvalho da manhã
As borboletas amarelas,
Mas as que entram no circo
São as pretas
As rainhas das borboletas.
Só elas entram debaixo da lona e aproveitam
Demarcam território com a leveza das batidas de suas asas equilibrando-as no ar circense.
Estas não pagam ingresso, acho que nem nunca pagaram.

As borboletas encantaram a Maria e o Pedrinho...
Mas depois de inúmeras tentativas frustradas de pegar e prender as borboletas...
Eles chegaram a uma importante conclusão:

Já que não se consegue prender as borboletas porque são rápidas e porque tem asas, fogem mais depressa e parecem ser mais livres, eles decidiram catar canudinhos de refrigerantes debaixo das cadeiras coloridas do circo.
Com esta brincadeira se distraíram por horas,

Mas como quase toda brincadeira de criança
Maria acabou chorando.




- Porque choras Maria?

- É que eu queria umas caixinhas de pipoca que o Pedrinho pegou.

- Pedrinho dê algumas caixinhas pra Maria.

- Eu não, quem mandou ela insistir com as borboletas? Enquanto ela corria atrás das asas das borboletas eu juntava canudinhos e caixinhas de pipoca.
Você tem que ser mais esperta Maria.

Sentenciou Pedrinho no final da brincadeira.

Mal sabia ele quais eram os planos secretos da Maria para aquela noite...ela os disfarçava muito bem por detrás daqueles pequenos olhos curiosos.

A menina que foi engolida por seu sonho


Fiquei sabendo de uma menina que tinha um sonho.
Daqueles bonitos
Bem grandes

Daqueles que a gente sonha quando criança
Acredita nele
Aposta quando maior
E guarda quando crescido

Sim porque tem sonho que nasce pra ficar guardado dentro do peito
Só pra gente dizer um dia que sonhou

Mas esta menina
Segundo fiquei sabendo
Alimentava seu sonho desde o dia em que ele nasceu nela
De tanto cuidar dele ele foi crescendo
Crescendo
Ficando colorido
Se enchendo de brilho
Era quase que meio mágico aquele sonho da menina
E todo mundo começou a sonhar o sonho dela
E eram felizes assim
Sonhando

A menina era amiga de seu sonho, companheira mesmo
E só de tê-lo sonhado
Já bastava


Só que pra surpresa da menina
Seu sonho ficou tão grande
Ficou tão forte
Que aconteceu

O sonho pegou-a de susto
E sem que ela percebesse
O sonho a engoliu

Ah que felicidade a da menina!
Me contaram que ela andava saltitando e rindo e cantando enquanto passeava por seu sonho

Sim, porque sonho acontecido
Faz a gente saltitar e rir a toa

De repente a menina que tanto alimentara aquele lindo sonho
Se viu perdida dentro dele
Ele era muito maior do que ela sonhara
Era muito mais encantador
E intenso que ela sonhou um dia

A menina ficou meio sem saber o que fazer

Sabia que podia recorrer aos amigos
Os mesmos que lhe ajudaram a sonhar seu sonho

A menina era estranha
Tinha amigos de todos os tipos
Fadas, bruxas, macacos, rodopios, raios de luz e coisinhas...

Decidiu pensar sozinha
E olhou bem de perto nos olhos de seu sonho
E percebeu que ele não estava mais ali
Aquele que um dia fora
Já não era mais
Era menos

Ficou como uma doce lembrança de um sonho acontecido.


E a menina que não era boba nem nada
Seguiu a procura de outro sonho pra sonhar
Pra fazer acontecer

Pra ser novamente engolida.
Ou quem sabe agora ela guarde o sonho dentro do peito
Só pra tê-lo por perto
De companhia.

A palhaça e o poeta



Um dia, uma palhaça pagou uma xícara de café para um poeta
e ela ainda se lembra,
com a mesma doçura e o mesmo sabor do chantily com canela
que cobria a xícara de capuccino
sob a última mesa de uma confeitaria no centro da ilha.

Depois de se amarem com a intensidade dos poetas e a entrega dos palhaços
Os dois trilharam de mãos dadas as calçadas da ilha.
As mãos quentes se tocavam
Com ternura e paixão
A mistura de uma composição explosiva de sentimentos.

Os dois fingiam um turismo,
Um passeio
E só os dois acreditavam nesta invenção desejosa
Até os bancos da praça desvendavam seus segredos
Seus desejos de amor disfarçados

Entre olhares nervosos de despedida, de saudade, de vontade e de querer
Os dois continuavam a simulação do passeio.

Peregrinação nas escadarias da igreja, reza e olhares devotados a Nossa Senhora
Pétalas amarelas
E carinhos e abraços e beijos
E pecado.

O poeta
Cavaleiro das palavras profundas e das conjunturas absurdas
Abraçou com as palavras e com o menino dos olhos tocou o sentimento meio ferido daquela palhaça.

A palhaça
Encantadora de risos
Beijou com graça e com a virgem imaculada do seu sentimento secreto o peito daquele poeta.

Os dois ainda simulavam o encontro de amor
Quando o sonho se perpetuou no imaginário
E no fim do olhar dos dois
Que foi se perdendo com a lonjura
E com o tempo

Ainda se encontram em memória e em sentimentos,
Para continuarem a simulação de amores
Entre um poeta e uma palhaça
Que começou no velho oeste e continuou nas areias da ilha.
Lua cheia no circo


Há noites em que por aqui
Tudo não passa de escuridão depois do espetáculo.
Todas as luzes de dentro da lona, desde a platéia, o palco e os bastidores
Apagam-se
As luzes esverdeadas que iluminam a externidade da lona
Apagam-se
As luzes da marquize e da entrada
Apagam-se
E só resta um negrume ao redor do circo

Mas tem noites
Em que tudo fica clareado
Por uma luz vinda do céu
De uma lua grande
E branca
E redonda
Que ronda a lona
E se planta lá no alto
Bem encima
E soberana
Lua cheia banha o circo
E a gente se banha
Tamanha beleza que é
Que nem em retrato se guarda a imagem.

Retrato by Nilo Neto


Mulher sozinha


Caminhava sozinha pela rua calçada.
A passos largos se encaminhava para o local esperado.
Sua casa era distante dali.
Naquele lugar do caminho rotineiro, ela de súbito parou.
Olhou para o céu.
Sentiu o desejo de ser estrela.
Queria mesmo ser qualquer coisa só pra deixar de ser o que era.
Tinha desejos na alma.
Estava exausta daquelas calçadas, daquelas ruas, daqueles caminhos demais trilhados.
Sabia de certeza que um dia seria outra.
Tão logo ouviu seu pensamento, este mesmo lhe fugiu e ela foi se encaminhando para o local esperado.
A sombra muda a acompanhava.
Assim como lhe vinham estes pensamentos de quando em vez, eles se despediam e partiam, às vezes sem nem esperar por acenos saudosos dela.

Saudades do meu irmão

Me faltam braços para abraçar esta distância
E me faltam pernas pra trilhar esta lonjura.
Mas sobram beijos
Dos mais variados e imaginados
Beijos doces suspirados
Beijos fortes esmagados
Beijos loucos engraçados
Beijos provocados
Suaves
Leves
E soprados
Sobram tantos
que me escorrem pelo canto da boca
escorre um
escorre outro
escorrem vários
e não tenho pra quem dá-los.

26/06/2008

Para a Barrica

Quando te conheci não pude resistir ao teu encanto
e encantada te descobri.
E nos recantos sombrios e empoeirados tu encheste de luz...
uma luz que vai do amarelo, branco, azul, vermelho...e banha tudo de vermelho.
E a paixão que pulsa em ti comeu tudo o que era velho e triste.
E tu chegou e me engoliu com tua boca tão grande...
com os olhos famintos de liberdade me encantou
e neste nariz...vermelho fez minha morada.
Para Camila, irmã de alma e poesia

Li teu recado
assim vc me mata
mas me mata de vagarinho
me enchendo a alma de sopro
te amo minha flor do campo
delicada
perfumada com o orvalho e com o cheiro da terra
o que te dá um frescor de borboleta
louca
e uma intensidade de terra molhada
te amo
minha brancura iluminada
meu lírio do campo
aberto ao sabor dos sóis
da manhã
da tarde
das noites ensolaradas
te amo minha brisa refrescante e suave
que me acaricia o rosto
me acaricia o coração e a alma
que vento bom este que me sopra deste velho oeste
" te amo sem saber como , nem onde, ... te amo simplesmente
sem complicações nem orgulho
assim te amo
pq é a única maneira que eu sei
que a tua mão no meu peito
é a minha mão
e me toca tão fundo que com teu toque eu adormeço."
Meio Pablo Neruda
Diálogos entre palhaços nos camarins

Conte ao Alzheimer
que a Barrica acabou de se apresentar no palco do Teatro Biriba
sem grande sucesso
assim como o Biriba nesta noite.

nem todos os dias são bons

No final do espetáculo ele me chamou e disse:

- A Barrica salvou a noite hoje.

eu disse:

- Mas acho que também não agradei

ele disse:

- Então, pouco sucesso pra nós dois

eu disse:

- É...
pensei um pouco...caminhei por ali
bati na porta do camarim dele
entrei
e disse:

- Eles não riram porque não quiseram, porque a gente tava fazendo graça.

ele deu uma risada gostosa
e nos valeu a noite.

é...como é prazerosa e difícil esta vida de palhaça

só o humor nos salva...e o amor também.
Para o meu querido poeta Fábio Dallas com suspensão de espera


(suspensão ... quando os pés rompem com o chão, o pensamento fica atordoado, mas parado, o coração se separa de tudo dentro da gente, bate rápido, mas calado, o corpo todo infla de espera por algo que pode ou não acontecer...)

Um dos momentos que observei com ternura e guardei até o cheiro, o gosto e a cor. Família que se inventa.


Coisas que observei e que acho bonitas

Músicas que tocam num lugar tão nosso e quase desconhecido que chega a dar um tremor só de ouvi-las.
Flores de todas as espécies e cores das mais variadas, mas principalmente aquelas que têm o pistilo dentro e que me faz pensar na grandiosidade de Deus ao observá-las mais de perto.
Cores que colorem tudo até as sensações da gente.
Poesias de Neruda que me invadem de um jeito estranho, que me preenche com a sonoridade da junção de suas palavras, que me esmorecem.
Encantamento das coisas, das coisinhas pequenas, das coisas passadas, dos detalhes, do incomum, do diferente, do embriagador de sentidos.
As histórias do Márcio Vassalo.
Paisagens do mundo, dos lugares que já fui, daqueles que eu nunca vi, daqueles que vi em sonhos, daqueles que inventei que criei pra mim.
Doces de coco, de ovo, de leite condensado, de frutas, em calda, doces cor de rosa, amarelos, coloridos e enfeitados.
Amigos do meu peito.
Balões cheios de ar presos em fitas mimosas, balões vermelhos que podem de repente escapar da mão de alguém e seguir caminho céu a fora e ir-se embora, embora pro infinito azul onde nada se vê e de onde vê-se tudo.
Park de diversões em dia ensolarado, gente caminhando de todos os lados, com doces, maçãs do amor, brinquedos pescados, pirulitos coloridos e burburinho de crianças correndo, comendo, chorando, rindo e brincando.
Noite iluminada num park de diversões...
Lona de circo iluminada antes e dentro do espetáculo, arquibancadas lotadas, “biro – biro” sendo vendido, pipocas de circo que tem sempre sabor de palhaçada diferente da do cinema que tem sabor de aventuras, romances, comédias, e que também é completamente diferente em sabor da pipoca da panela lá de casa.
Um carinho que pode ser no rosto ou na mão.
Um afago que pode ser no cabelo, no nariz, na orelha, que pode ser onde a gente achar mais conveniente.
Um bebezinho de colo, doce, frágil, indefeso e com a capacidade de mudar tudo que está ao redor dele. Um poder sem saber. Uma esperança de tudo de bom, de amor sem limites. Uma página quase em branco.
Brinquedos guardados embaixo da cama, nos cantos, atrás das portas, no meio da sala, embaixo do sofá, debaixo das árvores, perdidos lá fora, esquecidos no sereno, guardados nas caixas, no baú, guardados com carinho e cuidado, brinquedos estragados, quebrados, velhos, com cheiro de novidade. De todos os que mais gosto são aqueles que me transportam pra fora e pra dentro de mim com tanta facilidade que sem ele eu não saberia.

Meu querido Xuxu


Poema para o Palhaço Xuxu

O que fazes tu
Palhaço,
Senão amaciar a alma dos homens?

Tu podes amansar a alma de homens.
Podes inflamar o pensamento dos homens.
Podes tu
Acarinhar a inocência do homem.

Quando canta,
Podes desafinar.
Quando tropeça,
Podes cair.
Se deseja,
Podes fracassar.
E se fracassa
O povo ri
E alivia o fardo que traz...
Amacia a pele curtida
Pela crueza de seus dias...
E tu acaricia seu peito
Com um toque de graça.

E quem amacia tua alma
Palhaço?
O que alivia teu fardo?

Talvez o cheiro do povo que te cerca
Ou
Os olhos do povo que te perseguem.

Cheiro que se impregna em teu ar
Olhos que te despem e te revelam todos os dias

E tu palhaço
Revela-te nu
Refletido no espelho de tu e povo
E assim retornará
Todos os dias
E fará tu espetáculo
Novo
De novo.

Homenagem ao Palhaço Xuxu que conheci em Londrina, 2005.
O pote mágico dos beijos


De tanto sobrar-me beijos dos mais variados tipos,
Resolvi inventar um pote para guardá-los.

Para aqueles que enxergam com os olhos
O pote era bem pequeno e não parecia caber nem um beijinho se quer.

Mas para aqueles
A quem só sentir já lhes basta
Ah, pra estes o pote era imenso
Um gigante pote de beijos.

De fora tão pequenino, mas ao lhe retirar a tampa
Um buraco bem fundo
E macio.

Cada beijo armazenado repousava no fundo macio do pote.

Tive o cuidado de guardar beijo por beijo com toda a minha delicadeza.

Assim que escorregavam pelo canto direito da minha boca
Aqueles beijos perdidos
Sem rumo certo
Sem destino
Eu docemente os conduzia ao fundo macio do pote.

E lá foram adormecendo os meus beijos
doces
loucos
coloridos
soprados
encantados
mastigados
suspirados
sussurrados
amarelados
beijinhos estofados
mordidos
acanhados
beijos safados
provocantes
apaixonados
amorosos
carinhosos
vermelhos e laranjados
beijos desfolhados
explodidos
arrancados
cultivados
beijos curiosos e engraçados
...

Cada beijo se arranjou como pode no fundo macio do pote.

Quando eu ia guardar um beijo,
Os outros
Cansados do pote queriam sair de lá
E arranjavam várias maneiras de me enganar.

Disfarçavam-se de agradecidos
De amigos
De saudosos companheiros
Uns conseguiam se disfarçar de beijos de fadas
E com este disfarce fajuto muitos me encantaram e fugiram do pote.

O pote mágico dos meus beijos já está estufado
Pois quando um beijo beija outro beijo
No fundo macio do pote
Vertem pelas paredes brilhantes
Beijinhos enlouquecidos
E assim
Cada vez mais beijos repousam no fundo daquele pote.

Uns beijos meus ainda estão soltos por aí.
Outros estão guardados no fundo daquele pote
Esperando que alguém distraído
Abra a tampa do pote sem precauções nem cuidados.



26/06/2008
Inha a Luzinha


Inha, a Luzinha, desde que se conheceu por luz, morava num canto esquecido da alma de uma menina.
O canto pequeno, desorganizado, desensolarado, descolorido, desencantado, era o único lugar que Inha sabia existir.
Acho que ela se ascendeu ali,
Com uma luz não sei de quem
E brilhava ainda, não sei como.

Inha, a Luzinha era sozinha.

A única visita que recebeu da sua menina fora há....

...Inha não tinha como medir o tempo, pois não tinha relógio nem calendário, mas sabia
que esta visita acontecera num tempo que já descolorira de velho
e
que a menina era redonda e de olhos e boca bem pequenos.

Inha, continuava sozinha.

Um dia resolveu se aventurar.
E inventou uma viagem pela menina.

Inha se vestiu de um lindo raio de luz vermelha tão forte que...aiai...
E saiu.

Conforme iluminava os outros cantos da menina,
Foi encontrando...

Escorregadores
Piscinas
Pracinhas
Jabuticabas
Cipós
Pitangas e guabijus
Bonecas
Jurubebas
Subidas e cacimbas
Aroeiras
Igrejinhas
Nossa Senhora
Pontes fundas
E procissão.

Mais a frente espiou...

Uns ratos mortos
Pesadelos sonhos com cachorros
Morcegos
Uma Tv sem fio
Uma janela sem vidro
Chinelo arrebentado
Casaco rasgado
Bolsos furados
Pedrinhas
E histórias de dar medo.

Dava arrepio...mas mesmo assim Inha achou bonito.

Enquanto Inha viajava, a menina sentia cócegas por dentro.

Num ímpeto de curiosidade e coragem
Inha procurou uma porta que pudesse sair do universo da menina e ir mais longe.

Eis que avistou um par de portas iluminadas ... se aproximou e....
Escorregooouuu!!!!

Escorregou pelo nariz e caiu justo nas mãos da menina...que pra sua surpresa estava cada vez mais redonda.

A menina ficou encantada ,
Meio assustada
e um pouco atrapalhada,
tentou colocar Inha de volta pra dentro de si
tentou
tentou
e tentou
mas Inha se grudou no nariz da menina e de repente...
se viu arredondada como a menina
uma luz vermelha e redonda
Inha gostou da idéia.

Dali via o mundo
Via o colorido e o sol
Que lá de dentro ela não via.

Ah, Inha viu tantas cores
Tantas flores
E todos os amores da menina.

Nunca mais saiu do nariz da menina.